Educação ambiental para a conservação das aves limícolas – estudo de caso no Sítio Ramsar Lund Warming, Minas Gerais, Brasil

Cláudia Silva Barbosa1*

https://orcid.org/0000-0001-7337-7376

* Contato principal

José Eugenio Cortes Figueira2

https://orcid.org/0000-0001-6399-2025

Gefferson Guilherme Rodrigues Silva3

Thais Dumond3

1 Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade/ICMBio, Brasil. <geoclaudiabarbosa@gmail.com>.

2 Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG, Brasil. <cortesfigueira@gmail.com>.

3 Subcomitê do Carste, Brasil. <geffersonguilherme01@gmail.com, tha.drum@hotmail.com>.

RESUMO – Este artigo trata de um estudo de caso relacionado com as atividades desenvolvidas no âmbito do Projeto Rede Asas do Carste que foi implementado em unidades de conservação como na Área de Proteção Ambiental Carste de Lagoa Santa, no Parque Estadual do Sumidouro e no Monumento Natural Várzea da Lapa, integrantes do atual Sítio Ramsar Lund Warming no estado de Minas Gerais. O projeto, de cunho educativo multidisciplinar, abrangeu atividades relacionadas com a avifauna em várias lagoas do referido território. Ele foi proposto e discutido de forma participativa em conselhos locais, sendo posteriormente elaborado e implantado por uma equipe multissetorial que envolveu e mobilizou diversos atores sociais. O projeto favoreceu o intercâmbio e a ampliação do conhecimento e da participação social no que tange à identificação e proteção da avifauna e demais espécies de fauna associadas às lagoas monitoradas, bem como o entendimento dos serviços ecossistêmicos prestados por elas. Concluiu-se que as ações educativas desenvolvidas no território do Sítio Ramsar Lund Warming contribuíram para maior sinergia entre os atores locais na busca pela conservação e proteção das aves limícolas e de seu habitat. Além disso, entende-se que pode ser um modelo para o desenvolvimento de educação ambiental e monitoramento participativo em outras áreas úmidas e de importância para aves limícolas migratórias.

Palavras-chave: Aves limícolas; conservação; educação ambiental; Sítio Ramsar Lund Warming.

Environmental education for the conservation of shorebirds – case study at Ramsar Lund Warming Site, Minas Gerais, Brazil

ABSTRACT – This article deals with a case study related to the activities carried out within the scope of the Asas do Karste Network Project, which was implemented in conservation units such as the Karst Environmental Protection Area of Lagoa Santa, in the Sumidouro State Park and in the Natural Monument Várzea da Lapa, members of the current Ramsar Lund Warming Site in the State of Minas Gerais. The multidisciplinary educational project covered activities related to birdlife in several lakes in that territory. It was proposed and discussed in a participatory manner in local councils, and was later prepared and implemented by a multisectoral team that involved and mobilized various social actors. The project favored the exchange and expansion of knowledge and social participation, with regard to the identification and protection of avifauna and other fauna species associated with monitored lagoons, as well as an understanding of the ecosystem services provided by them. It was concluded that the educational actions developed in the territory of the Ramsar Lund Warming Site contributed to greater synergy between local actors in the search for the conservation and protection of shorebirds and their habitat. In addition, it is understood that the project can be a model for the development of environmental education and participatory monitoring in other wetlands and areas of importance for migratory shorebirds.

Keywords: Shorebirds; conservation; environmental education; Ramsar Lund Warming Site.

Educación ambiental para la conservación de aves limícolas – estudio de caso en Sítio Ramsar Lund Warming, Minas Gerais, Brasil

RESUMEN – Este artículo aborda un estudio de caso relacionado con las actividades desarrolladas en el ámbito del Proyecto Rede Asas do Carste, que fue implementado en unidades de conservación como el Área de Protección Ambiental Kárstica de Lagoa Santa, el Parque Estatal Sumidouro y la Várzea da Monumento Natural Lapa, integrantes del actual Sitio Ramsar Lund Warming en el Estado de Minas Gerais. El proyecto educativo multidisciplinario abarcó actividades relacionadas con la avifauna en varios lagos de ese territorio. Fue propuesto y discutido de manera participativa en los consejos locales, y posteriormente fue desarrollado e implementado por un equipo multisectorial que involucró y movilizó a diversos actores sociales. El proyecto favoreció el intercambio y ampliación de conocimientos y participación social, respecto de la identificación y protección de aves y otras especies de fauna asociadas a las lagunas monitoreadas, así como el conocimiento de los servicios ecosistémicos que brindan las mismas. Se concluyó que las acciones educativas desarrolladas en el territorio del Sitio Ramsar Lund Warming contribuyeron a una mayor sinergia entre los actores locales en la búsqueda de la conservación y protección de las aves limícolas y su hábitat. Además, se entiende que el proyecto puede ser un modelo para el desarrollo de la educación ambiental y el monitoreo participativo en otras áreas de humedales de importancia para las aves limícolas migratorias.

Palabras clave: Aves limícolas; conservación; educación ambiental; Sítio Ramsar Lund Warming.

Recebido em 09/03/2023 – Aceito em 23/08/2023

Como citar:

Barbosa CS, Figueira JEC, Silva GGR, Dumond T. Educação ambiental para a conservação das aves limícolas – estudo de caso no Sítio Ramsar Lund Warming, Minas Gerais, Brasil. Biodivers. Bras. [Internet]. 2024; 14(1): 50-63. doi: 10.37002/ biodiversidadebrasileira.v14i1.2276

Introdução

O carste é um terreno que apresenta um conjunto de formações geológicas geradas especialmente em rochas calcáreas, apresentando geomorfologias típicas como cavidades e dolinas. Nesse terreno ocorre intensa erosão química e física especialmente pela ação da água, que por meio de condutos subterrâneos pode auxiliar na formação de lagoas[1]. No Brasil, uma das principais áreas cársticas é denominada Carste de Lagoa Santa, localizada no estado de Minas Gerais. Lugar no qual, em meados do século XIX, Peter Wilhelm Lund desenvolveu pesquisas e encontrou centenas de fósseis que marcaram o desenvolvimento de áreas como da arqueologia e da paleontologia[2]. Em parte dessas pesquisas, foi auxiliar de Lund o botânico Johannes Eugenius Bülow Warming, que escreveu o que Goodland[3] considera ser o primeiro livro de uma nova ciência, a Ecologia, ao descrever e desenhar a vegetação do Cerrado e suas relações com o solo, o clima e o fogo[5].

Foi também nesse carste que, em meados de 1970, a arqueóloga francesa Annette Laming-Emperaire chefiou uma missão de pesquisa e descobriu um dos mais antigos fósseis de humanos da América, que ficou conhecido como “Luzia”, uma paleoíndia que viveu na região há cerca de 12 mil anos[2].

Soma-se ao vasto patrimônio cultural um grande conjunto de lagoas que, muitas vezes, são interligadas por águas subterrâneas, surgências e sumidouros[5], inseridos no domínio fitogeográfico do Cerrado em tensão com o bioma da Mata Atlântica[6].

Para proteger parte desse território e seus atributos físicos, biológicos e culturais foi criada a Área de Proteção ambiental Carste de Lagoa Santa (APA Carste) no vetor norte da região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais[7]. A região da APA Carste apresenta um importante sistema de lagoas, aproximadamente 60, que, com o transcorrer do ano, passam por um período de cheia no auge da estação chuvosa (de outubro até março) e outro de vazante no período de estiagem (de abril até setembro), chegando algumas delas a secar por completo[8]. O que fica caracterizado é uma marcante sazonalidade que conduz a grandes oscilações anuais no nível das águas dessas lagoas, promovendo uma diversifi-cação de habitat e atraindo uma grande quantidade de espécies de aves aquáticas[9] – um total de 53 espécies catalogadas até então –, o que torna as lagoas ambientes de grande importância para a conservação da biodiversidade regional[5][10].

Considerando a localização da APA Carste numa região pautada pelo rápido crescimento urbano, foram estabelecidas outras normativas após sua criação para auxiliar numa maior conservação dos atributos físicos e biológicos do território. Para exemplificar, destaca-se que no interior da APA foram implantadas unidades de proteção integral estaduais que têm relação direta com proteção das lagoas cársticas da região como o Parque Estadual do Sumidouro e o Monumento Natural Estadual Vargem da Pedra, que são importantes para as aves limícolas migratórias[11]. Além disso, em 2013 foi publicada a Resolução da Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio) nº 6, que dispôs sobre as metas nacionais de biodiversidade para o período de 2011 até 2020, com os objetivos de reduzir as perdas da biodiversidade, favorecer a sustentabilidade socioambiental e ampliar ações de comunicação e educação ambiental no âmbito brasileiro.

Um dos desdobramentos da Resolução Conabio nº 6 foi o estabelecimento da Estratégia e Plano de Ação Nacionais para a Biodiversidade (EPANB), sendo que para a sua articulação auxiliaram diversos atores relacionados ao governo, ao setor privado e à sociedade civil, coordenados pela Secretaria de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente. Tal articulação ocorreu pela criação do Painel Brasileiro de Biodiversidade (PainelBio) para definir os indicadores de biodiversidade[15].

Ressalta-se, além disso, que o Brasil é signatá-rio de um tratado intergovernamental denominado Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional – a Convenção Ramsar, que visa especificamente conservar a biodiversidade e estimular o uso sustentável de áreas úmidas. Considerando a especificidade de cada área, algumas são designadas como Sítio Ramsar, sendo reconhecidas pela biodiversidade de animais e plantas, filtragem e estocagem de água doce, valor científico, histórico, cultural e paisagístico, ecoturismo, produção de alimentos, dentre outros[16][10][17]. Levando-se em conta as características geomorfológicas e biológicas da APA Carste, especialmente a presença de muitas lagoas e a biodiversidade limícola, além da presença de espécies de aves consideradas vulneráveis[18], grande parte da unidade de conservação foi categorizada como um Sítio de Importância Internacional – Ramsar, que recebeu o nome de Sítio Lund Warming em homenagem aos trabalhos e pesquisas desenvolvidos pelo naturalista Peter Wilhelm Lund e por Johannes Eugenius Bülow Warming[19].

Cabe ainda mencionar que a Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental e, por meio dela, estabeleceu a obrigatoriedade da educação ambiental em todos os níveis do ensino formal da educação brasileira, sendo trabalhada transversalmente entre todas as disciplinas[14]. Com isso, tornou-se um marco importante para a história da educação ambiental no Brasil e trouxe consigo um longo processo de interlocução entre ambientalistas, educadores e governos[13]. Assim, a educação ambiental repre-senta um instrumento fundamental para auxiliar para que os moradores locais ampliem seus conheci-mentos e atuem em prol de um ambiente mais sustentável[12][13].

Nesse contexto normativo e socioambiental, foi elaborado o Projeto Rede Asas do Carste, que envolveu diversos atores sociais para a conservação de diversas espécies da avifauna em um território especialmente protegido, abarcando áreas protegidas como a APA Carste de Lagoa Santa, o Parque Estadual do Sumidouro e o Monumento Natural Várzea da Lapa.

Após o estabelecimento do Sítio Ramsar Lund Warming e da execução do Projeto Rede Asas do Carste foram dispostos os planos de ação nacional para a conservação das espécies ameaçadas de extinção (PANs) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Dentre esses, a Portaria nº 491, de 2019[20] trata sobre o PAN das Aves Limícolas Migratórias, estabelecendo as estratégias prioritárias para a conservação de espécies ameaçadas de extinção como também para conservação de táxons não ameaçados e migratórios. Outra iniciativa importante é o Censo Neotropical de Aves Aquáticas (CNAA), coordenado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (CEMAVE), do ICMBio, que é um projeto para o censo das aves aquáticas na América do Sul, fazendo parte do International Waterbird Census, coordenado pelo Wetlands International.

Diante do exposto e do estabelecimento de um PAN específico sobre aves limícolas migratórias cujo um dos seus objetivos é a ampliação do conhecimento para subsidiar a conservação das aves limícolas e seus habitat no Brasil[20] apresentamos um estudo de caso sobre o Projeto Rede Asas do Carste. O projeto foi pautado em ações participativas e educativas no que tange a proteção e a conservação tanto das aves como de seu habitat, podendo servir como um exemplo para o desenvolvimento de atividades semelhantes em outras áreas úmidas e de importância para aves limícolas no Brasil.

Materiais e Métodos

O Sítio Ramsar Lund Warming no Carste de Lagoa Santa

No estado de Minas Gerais existem apenas dois sítios que são considerados como áreas úmidas de importância internacional: o Sítio Ramsar do Parque Estadual do Rio Doce e o Sítio Ramsar Lund Warming (Figura 1). A maior parte do território da APA Carste está inserido neste último Sítio, que também engloba unidades estaduais, configurando como um importante território para a preservação da biodiversidade no estado[10][11].

Pesquisas do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução da Universidade Federal de Minas Gerais (DGEE/UFMG) trataram especificamente da importância do território do Carste de Lagoa Santa para a conservação das aves, como as pesquisas desenvolvidas por Nobrega[10] que realizou um inventario sobre as aves aquáticas e procedeu os devidos levantamentos sobre seu habitat.

Nesta pesquisa registramos 39 espécies de aves aquáticas, pertencentes a 15 famílias, que foram agrupadas em 14 guildas tróficas (...). As famílias mais representativas foram Ardeidae (socós e garças, guilda carnívoro de água rasa), Anatidae (patos, guilda onívoro de água rasa) e Scolopacidae (maçaricos e narcejas, guilda onívoro de água rasa) com oito, seis e quatro espécies registradas, respectivamente[10, p. 25].

Antes de Nobrega[10], uma pesquisa realizada por Dornas[22] já destacava a importância biológica da APA Carste para conservação de aves no estado de Minas Gerais, registrando a presença na unidade de conservação de aves aquáticas consideradas emblemáticas como o pato-de-crista Sarkidiornis sylvicola além das ameaçadas de extinção regional como o colhereiro e a cabeça-seca (Figuras 2 e 3).

As pesquisas desenvolvidas no âmbito da unidade de conservação subsidiaram os levanta-mentos que culminaram na proposição de que grande parte da APA Carste de Lagoa Santa se tornasse um Sítio Ramsar no ano de 2017[19], o que será mais bem discutido a seguir.

Em anos de chuvas generosas as lagoas se formam em depressões típicas das paisagens cársticas-carbonáticas, isso é, onde o calcário é a rocha-matriz. As águas das chuvas infiltradas nos solos da região alimentam os lençóis freáticos cujos níveis se elevam aos poucos até atingirem e ultrapassarem o fundo das depressões e a elas se juntam as águas caídas diretamente das chuvas e ainda provenientes do endocarste. Somadas, elas determinam as áreas dos espelhos-d’água que aumentam com o avanço das chuvas e diminuem quando elas cessam e a estação seca avança (Figuras 4 e 5).

As lagoas atraem aves aquáticas que vêm de outras regiões do estado de Minas Gerais e do Brasil, sendo algumas migratórias de longa distância que abandonam temporariamente o hemisfério norte durante o inverno e rumam para o sul passando sobre o território da APA Carste. É importante ressaltar que a maioria das espécies de aves ainda vistas nas lagoas temporárias, foram registradas por Peter W. Lund e Johanes T. Reinhardt, cientistas dinamarqueses do século XIX, sendo várias delas coletadas por Lund como fósseis da transição dos períodos Pleistoceno-Holoceno. Isso atesta a antiguidade das lagoas temporárias e das migrações em “curta” (dentro do estado), “média” (dentro do Brasil) e “longa distâncias” (entre continentes). Nas lagoas com maiores espelhos d’água, que são as mais estáveis, pois duram mais tempo, as abundâncias e a riqueza em espécies de aves são maiores, e nelas as guildas tróficas (que dizem respeito às dietas e como elas são conseguidas), são mais variadas[19].

Por outro lado, quando a seca avança as áreas dos espelhos d’água e suas profundidades diminuem, as aves aquáticas as abandonam e passam a ocupar outras ainda com água ou deixam a região. À medida que secam, seus leitos recém expostos são progressivamente colonizados por vegetação campestre que alimenta veados, capivaras e até cavalos e gado, ao passo que aves que caçam insetos, aranhas, anfíbios e cobras tornam-se mais frequentes. Isso irá perdurar até que as chuvas retornem enchendo as lagoas, substituindo a vegetação e a fauna campestre pela vegetação aquática, por peixes, anfíbios, insetos e moluscos que serão caçados por bandos de garças, socós, jaçanãs, carãos, biguás, maçaricos, patos, mergulhões, colhereiros, cegonhas, gaivotas, saracuras, gaviões-caramujeiros, martins-pescadores, águias pescadoras etc., totalizando mais de 50 espécies, sendo que várias delas se reproduzem nessas lagoas (Figura 6).

Por serem pequenas e rasas, e pelo fato de a rocha calcária ter alta densidade de fraturas e condutos por onde a água subterrânea circula, elas são sensíveis a alterações nos níveis dos lençóis freáticos, a mudanças no regime de chuvas, aos desmatamentos e urbanização (que reduzem a infiltração de água no solo), à assoreamentos e ao uso indiscriminado de água. As lagoas temporárias fazem parte da paisagem cárstica há milhares de anos com sua rica fauna e flora e seus ciclos de cheias e secas favorecem de forma significativa a biodiversidade local, mas a busca desenfreada por recursos naturais operando em diferentes escalas geográficas constituem grave ameaças aos objetivos de criação da APA Carste[7]. Apesar disso, ainda existe grande diversidade de espécies e áreas preservadas, o que favoreceu para que, em grande parte dessa unidade de conservação, fosse estabelecido o Sítio Ramsar Lund Warming.

O Projeto Rede Asas do Carste

No município de Confins, durante o primeiro seminário do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio da Velhas, ocorrido em março de 2014, foi apresentada por um professor da Universidade Federal de Minas Gerais uma síntese sobre a distribuição e dinâmica temporal das aves aquáticas associadas às lagoas da APA Carste de Lagoa Santa. A partir desse evento, membros dos Subcomitês do Carste e do Ribeirão da Mata sugeriram fazer um projeto educativo que envolvesse temáticas relacionadas ao Sítio Ramsar Lund Warming junto à comunidade escolar dos municípios locais.

O projeto deveria buscar a difusão de conhecimento e a promoção da conservação dos ecossistemas aquáticos, além do inventário e o monitoramento da avifauna nas lagoas cársticas da região e seu ecossistema, principalmente as espécies consideradas aquáticas. Considerou-se a existência de pesquisas que concluíam que as espécies de aves aquáticas demonstravam um intenso comportamento de patrulhamento nas áreas úmidas à procura de recursos presentes nas lagoas temporárias e/ou perenes, mesmo que esses fossem transitórios e efêmeros seriam bioindicadores de qualidade ambiental, seja através do seu grau de sensibilidade a alterações antrópicas e perturbação do seu habitat, e/ou estarem ameaçadas de extinção, seja por exercem diferentes funções ecológicas, como o controle populacional de níveis mais baixos da cadeia alimentar, dispersão de sementes e propágulos da flora, pequenos peixes e invertebrados aquáticos[9][10][24].

Com o enfoque educativo, o Projeto Rede Asas do Carste foi elaborado no âmbito dos Subcomitês vinculados ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Velhas), junto com o Instituto de Ciência Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG). Foram realizadas reuniões com representantes dessas instituições para coordenarem a elaboração do projeto, que teve como parceiros: o Projeto Manuelzão, o Instituto Estadual de Florestas (IEF), o ICMBio, além de instituições públicas e privadas. Em encontros específicos sobre o tema, cada representante dos parceiros envolvidos apresentava suas opiniões e as possibilidades de contribuir com o projeto, como em termos financeiros, de disponibilização de profissionais para acompanhamento das atividades correlatas e autorização para execução das atividades como no caso das unidades de conservação estaduais[24].

O objetivo do Projeto Rede Asas do Carste fundamentou-se na promoção de ações de educação ambiental com a comunidade escolar das cidades que compõem a Unidade Territorial Estratégica (UTE) do Carste; parte da UTE do Ribeirão da Mata; e da APA Carste de Lagoa Santa, especificamente abrangendo os municípios de Confins, Matozinhos, Prudente de Morais, Funilândia, Lagoa Santa, e Pedro Leopoldo. O mote do projeto foi o monitoramento de aves nas lagoas cársticas, especialmente realizados por educandos do ensino fundamental[24]. Para tanto, elencaram-se as escolas mais próximas das lagoas abrangidas pelo Sítio Ramsar Lund Warming e outras localizadas em lagoas cársticas próximas ao Sítio, que foram (Quadro 1):

A partir da escolha das escolas que integrariam o projeto, e em reuniões com a equipe pedagógica de cada uma delas, foram selecionados as séries e os educandos do ensino fundamental que participariam. Após, educadores e equipe técnica do Rede Asas propiciaram encontros com os alunos nos quais explicaram o que seriam as atividades a serem realizadas. Foi repassado um guia de campo contendo informações gerais sobre o Projeto Rede Asas, sobre o território da APA Carste, um mapa de localização das lagoas, instruções gerais sobre as atividades em campo contendo uma ficha para anotarem as informações, tais como nome da lagoa, espécie avistada e observações (24).

Todas as atividades foram realizadas sob a orientação de profissionais capacitados para identificar e documentar a avifauna observada no perímetro e entorno das sete lagoas cársticas, havendo registros fotográficos, coleta de dados e relatórios referentes à avifauna e ao habitat, além de atividades interdisciplinares em sala de aula. As atividades de campo foram iniciadas no ano de 2015 (Figura 7).

Fez-se o biomonitoramento trimestral das aves presentes nas lagoas durante o horário matutino (entre 7h e 11h) com o auxílio de binóculos e câmeras semiprofissionais, fato que envolveu diretamente 150 educandos e 56 educadores de escolas de ensino fundamental da rede pública da região[24].

Os educandos iam trimestralmente para essas lagoas com o objetivo inicial de monitorar as aves ali presentes. Durante as atividades de monitoramento era discutido pela equipe técnica do projeto todo o contexto ambiental em que essas aves estariam inseridas, como: ecossistemas ali presentes; dinâmica dessas lagoas; fragilidades e importância do carste e seu aquífero; risco de contaminação; poluição e impactos ambientais; relação dessas lagoas com a comunidade. Foram também realizadas atividades interdisciplinares pelos educadores relacionados com o projeto, envolvendo geografia, artes, história, biologia e outras[24].

Cabe mencionar que a fim de auxiliar na difusão e troca de conhecimentos, as atividades educativas realizadas pelos educandos foram apresentadas nas escolas e em reuniões dos Subcomitês do Carste e do Ribeirão da Mata.

Resultados

O projeto durou cerca de quatro anos, sendo registradas 105 espécies de aves nas lagoas monitoradas. Algumas dessas espécies já haviam sido catalogadas pelo Plano de Manejo da APA Carste[5]e em pesquisas como de Nobrega[10], estando tais informações discriminadas no Quadro 2.

Outro resultado foi a criação de um álbum de figurinhas (Figura 8), através da parceria estabelecida com o ICMBio – APA Carste de Lagoa Santa, sendo impressos 5 mil álbuns com recursos de compensação ambiental, que foram usados em atividades do Projeto Rede Asas e em ações educativas dos parceiros do projeto, como as realizadas pelas prefeituras e conselheiros dos subcomitês envolvidos[24].

Somado ao álbum, o projeto estimulou o surgimento de três projetos de recuperação de lagoas cársticas com um grande envolvimento das comunidades, havendo uma conscientização dos educandos e educadores envolvidos com o tema, o que foi externado através de construções e apresentação de maquetes em espaços públicos, ações de limpezas das lagoas, concurso de fotografia tendo as lagoas e sua biodiversidade como temática, aumento do número de denúncias de crimes ambientais, entre outras. Além disso, foi realizado um Workshop do Projeto Rede Asas do Carste com a participação de todos os atores envolvidos com o projeto[23] (Figura 9).

Através das atividades de educação ambiental, ampliou-se o conhecimento, por parte dos educan-dos, sobre a avifauna nas lagoas do Sítio Ramsar Lund Warming, a compreensão de suas fragilidades, das pressões antrópicas sofridas e dos desafios para a sua conservação, valorização no âmbito do seu território de influência[23].

Nesse território o sistema de lagoas temporá-rias torna a região bastante peculiar com relação a outros lugares nos quais lagoas são raras. Por exemplo, em 2013 grande parte das lagoas da APA Carste secaram e permaneceram secas ou quase secas durante cinco anos, período caracterizado por poucas chuvas. Somente a partir de 2019 as chuvas se intensificaram e as lagoas reapareceram na paisagem com muitas espécies de plantas e espécies aquáticas, tornando o momento apto para retomar o Projeto Rede Asas do Carste, porém faltaram recursos para sua continuidade.

É certo que apesar do enorme avanço para a conservação e preservação dos ambientes naturais e o sistema de lagoas cársticas presente na região da APA Carste, do Sítio Ramsar Lund Warming e das UTEs do Carste e Ribeirão da Mata observado com a conscientização alcançada pelo projeto, as lagoas em sua maioria, ainda sofrem impactos negativos como pelo aumento dos desmatamentos, da urbanização e de atividades irregulares de uso da água. Isso afeta diretamente as espécies que dependem dessas lagoas, como as aves limícolas migratórias. Entende-se que é necessário manter as ações educativas que ampliem o conhecimento sobre a importância da conservação do ambiente inserido no Sítio Ramsar Lund Warming. Tais ações, em longo prazo, poderão refletir na melhoria das condições ambientais futuras do território.

Conclusão

Apresentou-se um estudo de caso sobre o Projeto Rede Asas do Carste desenvolvido no âmbito do Sítio Ramsar Lund Warming. Entende-se que o monitoramento da avifauna nas lagoas cársticas é pertinente para se vencer os desafios relacionados com a conservação e a preservação ambiental envolvendo os atores socioambientais presentes no território, sejam eles instituições públicas, instituições ligadas ao terceiro setor ou pela própria comunidade envolvida.

A perda e degradação de área e de habitat nas lagoas abrangidas pelo projeto podem justificar a ausência de registro de espécies mais sensíveis e de indivíduos de espécies de aves aquáticas migratórias durante as atividades em campo no território. Tal fato justifica projetos de inventariamento da fauna/flora no Sítio Ramsar Lund Warming e a necessidade de se intensificarem ações de sensibilização e conscientização da população de entorno, como as do projeto Rede Asas do Carste, cujos educandos e educadores envolvidos são multiplicadores da sensibilização e conscientização nas comunidades da região visando à conservação e à melhoria de tais ambientes. O referido projeto buscou, ao longo de sua duração, possibilitar aos educandos vivenciarem a realidade do ecossistema da região e suas particularidades através de visitas de campo periódicas a cada estação das lagoas selecionadas para o monitoramento das aves aquáticas. Assim, permitiu um melhor entendimento do ambiente, levando para a sala de aula conhecimentos práticos sobre o processo ecossistêmico, além das discussões sobre possibilidades de uso sustentável associado com a coexistência da biodiversidade local. De certa maneira, também estimulou o protagonismo socioambiental para a valorização e conservação/proteção dos patrimônios ambientais presentes no território.

É nesse contexto, e pelos resultados alcançados no Sítio Ramsar Lund Warming, que se entende que o Projeto Rede Asas pode ser uma referência em termos de ações educativas para estimular o monitoramento participativo das aves limícolas e aumentar o conhecimento sobre essas aves nas áreas estratégicas para a conservação no Brasil.

Agradecimentos

Aos conselheiros do Subcomitê do Carste, do Subcomitê do Ribeirão da Mata, da APA Carste de Lagoa Santa; especialmente aos educadores e educandos do Projeto Rede Asas do Carste.

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19. Figueira JEC, Drumond MA. New Ramsar Site Proposal – Peter Lund Karst, Minas Gerais State, Brazil. Documento submetido para avaliação pelo Ministério do Meio Ambiente – MMA; Belo Horizonte; 2014.

20. Portaria nº 491, de 10 de setembro de 2019 (Brasil). Aprova 2º ciclo do Plano de Ação Nacional para a Conservação das Aves Limícolas Migratórias – PAN Aves Limícolas Migratórias. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Seção 1, Brasília, DF: 12 set; 2019.

21. RAMSAR [homepage na internet]. Sítio Lund Warming. [acesso em: 01 jun 2023]. Disponível em: https://rsis.ramsar.org/ris/2306.

22. Dornas T. Sazonalidade, riqueza e abundância de aves aquáticas associadas a uma lagoa temporária da APA Carste de Lagoa Santa/MG [monografia]. Belo Horizonte: Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais; 2004. 95 p.

23. CBH Velhas [homepage na internet]. Workshop do Projeto Rede Asas [acesso em: 03 abr 2023]. Disponível em: https://cbhvelhas.org.br/noticias/moradores-alunos-professores-e-comunidade-da-bacia-participaram-do-i-workshop-do-projeto-rede-asas-do-carste/.

24. Procópio JC, Nogueira DC, Silva GGR, Drumond T. Rede Asas do Carste: colecionando aves, descobrindo as lagoas. Belo Horizonte: Instituto Gauicuy – SOS Rio das Velhas; 2018.

Figura 1 – Localização do Sítio Ramsar Lund Warming, Minas Gerais, Brasil.

Fonte: RAMSAR[21].

Mapa

Descrição gerada automaticamente

Figura 2 – Platalea ajaja (colhereiro).

Fonte: Os autores.

Figura 3 – Mycteria americana (cabeça-seca).

Fonte: Os autores.

Figuras 4 e 5 – Lagoa cárstica Vargem Bonita localizada no município de Confins, no seu processo de seca entre os meses de maio a setembro de 2016, registro feito durante as visitas do projeto Rede Asas do Carste.

Fonte: CBH Velhas[23].

Figura 6 – Painel com alguns representantes da fauna nas lagoas cárstica da região do Sítio Lund Warming. A) Himantopus mexicanus fotografado na Vargem Bonita em Confins; B) bando de Dendrocygna virduata fotografado na Lagoa do Fluminense em Mocambeiro/Matozinhos; C) família de Vanellus chilensis fotografado na Lagoa de Fora em Funilândia; e D) grupo de capivaras, biguás e garças registrado em um ponto da Lagoa de Santo Antônio em Pedro Leopoldo.

Fonte: Os autores.

Quadro 1 – Escolas abrangidas pelo Projeto Rede Asas do Carste.

ESCOLA

LAGOA

MUNICÍPIO

Escola Municipal Ester Gomes

Lagoa do Fluminense

Matozinhos

Escola Estadual Felícia Fernandes

Lagoa do Fluminense

Matozinhos

Escola Municipal de Tavares

Lagoa Várzea Bonita

Confins

Escola Municipal São José

Lagoa Várzea Bonita

Confins

Escola Estadual Romero de Carvalho

Lagoa do Sumidouro

Lagoa Santa

Escola Municipal Heitor Cláudio

Lagoa Santo Antônio

Pedro Leopoldo

Escola Estadual Magno Claret

Lagoa Santo Antônio

Pedro Leopoldo

Escola Estadual Aluísio Ferreira de Souza

Lagoa de Fora*

Funilândia

Escola Municipal da Lapinha

Lagoa Central*

Lagoa Santa

Escola Municipal Jeliomar Brandão

Lagoa do Cercado*

Prudente de Morais

Escola Estadual Virgilio Melo

Lagoa do Cercado*

Prudente de Morais

Fonte: Adaptado pelos autores[24].

Nota*: Lagoa não abrangida pelo Sítio Ramsar Lund Warming.

Figura 7 – Painel de registros fotográficos realizado durante as visitas de campo do projeto Rede Asas do Carste.

Fonte: CBH Velhas[23].

Quadro 2 – Lista de espécies aquáticas não passeriformes encontradas na região do Sítio RAMSAR Lund Warming.

Nome Científico

Nome Popular

IBAMA, CPRM 1998

NOBREGA 2015

REDE ASAS 2018

MG

Anseriformes

Anatidae

Dendrocygna viduata

irerê

 

X

X

 

Dendrocygna autumnalis

marreca-cabocla

 

X

X

 

Cairina moschata

pato-do-mato

 

X

X

 

Amazonetta brasiliensis

marreca-ananaí

 

X

X

 

Netta erythrophthalma

paturi-preta

 

X

 

 

Nomonyx dominicus

marreca-caucau

 

X

 

 

Podicipediformes

Podicipedidae

Tachybaptus dominicus

mergulhão-pequeno

X

X

X

 

Podilymbus podiceps

mergulhão-caçador

X

X

X

 

Gruiformes

Aramidae

Aramus guarauna

carão

X

X

X

 

Rallidae

Porphyrio martinica

frango-d’água-azul

X

X

 

 

Laterallus melanophaius

sanã-parda

 

 

X

 

Mustelirallus albicollis

sanã-carijó

X

 

X

 

Pardirallus nigricans

saracura-sanã

X

 

X

 

Aramides cajaneus

saracura-três-potes

X

X

X

 

Aramides saracura

saracura-do-mato

X

 

 

 

Gallinula galeata

galinha-d’água

X

X

X

 

Charadriiformes

Charadriidae

Vanellus cayanus

mexeriqueira

X

X

 

 

Vanellus chilensis

quero-quero

X

X

X

 

Charadrius semipalmatus

batuíra-de-bando

 

X

 

 

Recurvirostridae

Himantopus mexicanus

pernilongo-de-costas-negras

X

 

X

 

Himantopus melanurus

pernilongo-de-costas-brancas

 

X

X

 

Scolopacidae

Gallinago paraguaiae

narceja

 

X

 

 

Tringa solitaria

maçarico-solitário

 

X

 

 

Tringa melanoleuca

maçarico-grande-de-perna-amarela

 

X

 

 

Tringa flavipes

maçarico-de-perna-amarela

X

 

 

 

Jacanidae

Jacana jacana

jaçanã

X

X

X

 

Ciconiiformes

Ciconiidae

Mycteria americana

cabeça-seca

 

X

X

VU

Suliformes

Anhingidae

Anhinga anhinga

biguatinga

X

X

X

 

Phalacrocoracidae

Nannopterum brasilianum

biguá

X

X

X

 

Pelecaniformes

Ardeidae

Tigrisoma lineatum

socó-boi

 

X

 

 

Nycticorax nycticorax

socó-dorminhoco

X

X

X

 

Butorides striata

socozinho

X

X

X

 

Bubulcus ibis

garça-vaqueira

X

X

X

 

Ardea cocoi

garça-moura

X

X

X

 

Ardea alba

garça-branca-grande

X

X

X

 

Syrigma sibilatrix

maria-faceira

X

 

X

 

Egretta thula

garça-branca-pequena

X

X

X

 

Threskiornithidae

Phimosus infuscatus

tapicuru

X

X

X

 

Theristicus caudatus

curicaca

 

X

X

 

Platalea ajaja

colhereiro

X

X

X

VU

Accipitriformes

Accipitridae

Rostrhamus sociabilis

gavião-caramujeiro

X

 

X

 

Coraciiformes

Alcedinidae

Megaceryle torquata

martim-pescador-grande

X

X

X

 

Chloroceryle amazona

martim-pescador-verde

X

X

X

 

Chloroceryle americana

martim-pescador-pequeno

X

X

X

Fonte: Adaptado pelos autores de [5][10][24].

Figura 8 – Painel do álbum de figurinhas do Projeto Rede Asas do Carste.

Fonte: CBH Velhas (23).

Figura 9 – Painel dos trabalhos desenvolvidos no I Workshop do Projeto Rede Asas do Carste.

Fonte: CBH Velhas (23).

Biodiversidade Brasileira – BioBrasil.

Fluxo Contínuo

n.1, 2024

http://www.icmbio.gov.br/revistaeletronica/index.php/BioBR

Biodiversidade Brasileira é uma publicação eletrônica científica do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que tem como objetivo fomentar a discussão e a disseminação de experiências em conservação e manejo, com foco em unidades de conservação e espécies ameaçadas.

ISSN: 2236-2886