A seca de 2019: operações de resgate e realocação de peixes conduzidas na Floresta Nacional de Ipanema, Iperó, São Paulo, Brasil
Karla Fernanda Sanches Rodrigues1
https://orcid.org/0000-0002-2434-9675
Felipe Ferrari1
https://orcid.org/0009-0006-2982-6924
Beatriz Carine Gazzola Prieto1
https://orcid.org/0009-0007-1869-6236
Julia Fernanda de Camargo Teles Miranda1
https://orcid.org/0000-0002-7594-4220
Larissa Leandra Moro Silva1
https://orcid.org/0000-0001-5836-1990
Welber Senteio Smith1,*
https://orcid.org/0000-0001-9803-7394
* Contato principal
1 Universidade Paulista/UNIP Campos Sorocaba, Sorocaba/SP, Brasil. <karla.rodrigues17@hotmail.com, felipeferrari1995@hotmail.com, beatriz.carineprieto@gmail.com, juliafcamargo19@gmail.com, larissaleandra1997@hotmail.com, welber_smith@uol.com.br>.
Recebido em 13/11/2023 – Aceito em 23/07/2024
RESUMO – Os efeitos dos períodos de estiagem sobre a ictiofauna estão longe de serem compreendidos, já que se trata de um fenômeno que varia em extensão, intensidade e período de duração. O ponto de partida para esses estudos são, geralmente, as reduções drásticas nos níveis de precipitação, mas a análise isolada dos índices pluviométricos pode representar dados incompletos da real intensidade da estiagem, associada à influência das intervenções nos cursos de água como os barramentos. Portanto, o presente trabalho documenta o resgate de peixes a jusante de um barramento em um rio neotropical, localizado na Floresta Nacional de Ipanema, durante o período de estiagem ocorrido no ano de 2019 e suas consequências para as espécies de peixes. A seca desse período em particular, atingiu o seu máximo de intensidade entre agosto e setembro do ano em questão e o resgate ocorreu em novembro. O estudo utilizou também os dados pluviométricos de 2009 até 2019, a fim de obter maiores parâmetros comparativos. Foram resgatados 228 indivíduos de dezessete espécies, das quais dezesseis são nativas, uma é não-nativa e quatro são migradoras. Conclui-se que há necessidade de mais estudos para maior compreensão dos efeitos indiretos e subletais da estiagem e das altas temperaturas da água sobre os peixes, além de aprimorar os resgates e o manejo dos indivíduos quando expostos a tais condições extremas, uma vez que eventos extremos têm se tornado cada vez mais comuns.
Palavras-chave: Estiagem; ictiofauna; barramento; eventos extremos.
The 2019 drought: fish rescue and relocation operations conducted in the Ipanema National Forest, Iperó, São Paulo, Brazil
ABSTRACT –The impacts of dry periods on the ichthyofauna remain largely unexplored, given the variability in the extent, intensity, and duration of this phenomenon. While studies typically commence with the observation of significant reductions in precipitation levels, solely analyzing rainfall indices may provide incomplete insights into the true severity of drought, especially when considering the influence of interventions in watercourses such as dams. Therefore, the present study documents the fish rescue downstream of a dam in a neotropical river, situated in the Ipanema National Forest, during the dry season of 2019 and assesses its consequences for fish species. The drought during this period reached its peak intensity between August and September of that year, with the rescue operation occurring in November. The study also incorporated rainfall data spanning from 2009 to 2019 to establish comprehensive comparative parameters. A total of 228 individuals from 17 species were rescued, all of which are native to the area, with four species identified as migratory. In conclusion, there is a need for more studies related to the indirect and sub-lethal effects of drought and highwater temperatures on fish for greater understanding, improvement of rescues, and management of individuals when exposed to such extreme conditions, since extreme events are increasingly common.
Keywords: Drought; ichthyofauna; dam; extreme events.
La sequía de 2019: operaciones de rescate y reubicación de peces realizadas en el Bosque Nacional de Ipanema, Iperó, São Paulo, Brasil
RESUMEN –Los efectos de los períodos secos sobre la ictiofauna están lejos de ser completamente comprendidos, dado que es un fenómeno que varía en su extensión, intensidad y duración. El punto de partida de estos estudios suele ser la reducción drástica de los niveles de precipitación, pero el análisis aislado de los índices de precipitación puede representar datos incompletos sobre la intensidad real de la sequía, asociada a la influencia de intervenciones en cursos de agua como las presas. Por lo tanto, el presente trabajo documenta el rescate de peces aguas abajo de una represa en un río neotropical, ubicado en el Bosque Nacional Ipanema, durante la estación seca ocurrida en 2019 y sus consecuencias para las especies de peces. La sequía de este periodo, en particular, alcanzó su máxima intensidad entre agosto y septiembre de dicho año, y el rescate se llevó a cabo en noviembre. El estudio también utilizó datos de precipitación desde 2009 hasta 2019 con el fin de obtener parámetros comparativos más amplios. Se rescataron un total de 228 individuos pertenecientes a 17 especies, todas ellas nativas, de las cuales cuatro son migratorias. Se concluye que se requieren más estudios relacionados con los efectos indirectos y subletales de la sequía y las altas temperaturas del agua en los peces, con el fin de lograr una comprensión y manejo más precisos de los individuos cuando se ven expuestos a condiciones tan extremas. Esto es especialmente relevante dado que los eventos extremos son cada vez más comunes.
Palabras clave: Sequía; ictiofauna; presas; eventos extremos.
Como citar:
Rodrigues KFS, Ferrari F, Prieto BCG, Miranda JFCT, Silva LLM, Smith WS. A seca de 2019: operações de resgate e realocação de peixes conduzidas na Floresta Nacional de Ipanema, Iperó, São Paulo, Brasil. Biodivers. Bras. [Internet]. 2024; 14(4): 29-42. doi: 10.37002/biodiversidadebrasileira.v14i4.2508
Introdução
Inúmeras atividades antrópicas têm sido identificadas como potenciais desencadeadores das alterações climáticas globais. As previsões para o início do próximo século sugerem um aumento da temperatura média global entre 1,8 e 4° C [1], enquanto dados indicam que as concentrações médias globais de dióxido de carbono em 2022 estavam 50% acima dos níveis da era pré-industrial [2].
As mudanças climáticas, por sua vez, estão associadas às atividades humanas, como o aumento da emissão de gases de efeito estufa (GEE), o aumento de queimadas, o desmatamento, a formação de ilhas urbanas de calor, o aumento do uso de poluentes e o manejo inadequado do solo, ocasionando variações significativas no clima que podem ser observadas pelos fenômenos de ondas de calor ou frio, aumento na ocorrência de tempestades e furacões de altas magnitudes e, cheias ou secas intensas [3]. Durante o verão de 2013 e 2014 a janeiro de 2016, a região Sudeste do Brasil enfrentou a pior seca já registrada desde 1961, sendo que em 2014 apresentou um déficit de precipitação de aproximadamente 50% a menos do que o normal [4][5][6][7]. Tal fato levou algumas regiões à indisponibilidade de água e inviabilizou processos até mesmo de produção de alimento e energia [4].
O Brasil é um país privilegiado no que tange à disponibilidade de recursos hídricos, sobretudo em razão do clima e localização. Seu regime de precipitações e vazões varia entre bacias hidrográficas e é fortemente influenciado pelos fenômenos La Niña e El Niño, bem como pela variação na temperatura da superfície [8]. Esses fenômenos fazem com que a América do Sul seja a região do planeta mais susceptível às variações climáticas, principalmente no que diz respeito ao aumento nas temperaturas [9]. Desta forma, a variação no índice pluviométrico está intimamente ligada às variações na temperatura, ocasionando eventos de cheias associados a altos níveis de precipitação, ou de secas, caracterizadas por longos períodos de altas temperaturas e ausência de precipitação [10].
A estiagem é resultado das diversas anormalidades de larga escala tendo como principais: as variações na temperatura superficial dos oceanos, as formações de bloqueio atmosférico e a atuação das massas de ar [11][12][13]. As secas refletem e afetam diversos setores como: agrícola, econômico, social e ambiental [14]. Com o aumento da degradação dos ecossistemas de água doce nas últimas décadas, houve a preocupação com os impactos de alteração de habitat, modificação no regime e no fluxo da água e interrupção da rota migratória da ictiofauna [15], e fez-se necessário o acompanhamento e monitoramento para reduzir seus efeitos [16].
Dentre as consequências da estiagem há uma preocupação fundamental com os peixes, que têm suas populações e espécies diminuídas [15]. As secas resultam na diminuição dos níveis dos rios, riachos e lagoas, causando o isolamento de populações de peixes em poças de água e trechos de rios, dificultando a sobrevivência e acarretando a necessidade da interferência humana para eludir a mortalidade dos indivíduos. O sucesso desses programas de resgate depende do tempo de ação: quanto mais rápido for a tomada de decisão, maiores serão as chances de se obter melhores resultados; bem como do monitoramento frequente da região afetada enquanto as condições de estiagem permanecerem assolando a região da Floresta Nacional de Ipanema [16].
A Floresta Nacional de Ipanema (FLONA de Ipanema) possui uma rica diversidade de peixes, conhecendo-se 89 espécies [17]. Esse total representa 2,1% para o Brasil [18], 26,1% para a bacia do Alto Paraná [19], 22,76% da riqueza de peixes de água doce do estado de São Paulo [20] e 82,40% da bacia do rio Sorocaba (Welber Senteio Smith, comunicação pessoal). A Floresta Nacional de Ipanema é um dos poucos redutos florestais do interior paulista onde, apesar de seu histórico de perturbações, é detentora da maior biodiversidade da região. Apresenta ambientes fragmentados, que variam em função do gradiente edáfico e altitudinal, da proximidade de regiões aluviais, de afloramentos rochosos e de interferências antrópicas [21][22].
As informações fornecidas neste trabalho pretendem ser um instantâneo das espécies de peixes encontradas em um recurso aquático em um período de tempo discreto. Qualquer número relatado ou tamanho de peixes encontrados não tem a intenção de inferir um status de população ou representar o status de espécies dentro de uma área. Os métodos de amostragem restringiram-se a áreas discretas e não implicam na ausência de uma espécie naquela feição.
Diante do exposto, o presente trabalho tem por objetivo fornecer um breve relato das espécies de peixes encontradas durante as atividades de resgate e realocação conduzidas em 2019 no rio Ipanema, a jusante da barragem de Hedberg, localizado na Floresta Nacional de Ipanema, município de Iperó, interior do estado de São Paulo, durante um período de estiagem extrema. Espera-se que essa informação seja útil para pesquisadores e técnicos de órgãos ambientais, uma vez que as atividades de resgate e realocação de peixes associadas a eventos de seca são uma oportunidade única para inventariar e identificar todas as espécies de peixes presentes dentro de um alcance definido no corpo de água. Tais eventos, por sua vez, diferem das técnicas de amostragem padrão, permitindo uma coleta e identificação mais completas das espécies.
Material e Métodos
A hidrografia da Floresta Nacional de Ipanema
A hidrografia da FLONA de Ipanema é formada pelos rios Ipanema e por dois tributários: o ribeirão do Ferro e o rio Verde (Figura 1). O resgate foi realizado no rio Ipanema, principal rio da Floresta Nacional de Ipanema (Figura 2). O rio Ipanema é afluente do rio Sorocaba, principal afluente da margem esquerda do rio Tietê, localizado na bacia do Alto rio Paraná, estado de São Paulo. Possui aproximadamente 50 km de extensão, sendo as nascentes localizadas a 840 m de altitude entre os municípios de Sorocaba e Salto de Pirapora; e sua foz desemboca na margem esquerda do rio Sorocaba a 605 m de altitude, no município de Iperó.
A área está situada em uma zona de transição entre a Floresta Estacional Semidecidual (Mata Atlântica) e o Cerrado [21]. O clima, de acordo com a classificação de Koeppen, é Cwa, com inverno seco e estações chuvosas de verão [23].
Levantamento de dados Pluviométricos
Para complementar o estudo, foram obtidos dados brutos pluviométricos dos meses de janeiro de ٢٠١٧ a novembro de ٢٠٢٠, através de consulta de dados publicados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET)[٢٣].
Ações de Resgate e Salvamento
O resgate dos peixes aconteceu nos dias ٥ e ٦ de novembro de ٢٠١٩, a partir da solicitação e autorização do ICMBio/Floresta Nacional de Ipanema, realizada por ocasião de uma estiagem prolongada que reduziu drasticamente o nível do rio. Os peixes aprisionados a jusante da barragem de Hedberg (primeira represa do Brasil, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, [IPHAN]) foram resgatados com auxílio de redes de arrasto multifilamento de malha ٥,٠ mm entre nós opostos, puçás, peneira, baldes e caixas de transporte (Figura ٢ – A, B, C, D e E). Para todos os peixes resgatados foram obtidas a identificação da espécie, o peso (em gramas) e o comprimento padrão (em cm). Após esse procedimento, os peixes foram soltos a montante do barramento, aproximadamente ١٠٠ m do local de resgate. Não houve necessidade de deslocar os peixes por longas distâncias. A atividade de resgate da ictiofauna foi realizada conforme a autorização emitida pelo IBAMA, processo n° ٠٢٠٠٩.٠٠٠١٢٧/٢٠٠٨٣٠.
Resultados
A Figura 3 ilustra os níveis de precipitação entre os anos de 2017 e 2020. Os dados permitem verificar a diminuição nos níveis de precipitação que ocorreram antes do mês de outubro em todos os anos avaliados na região de Iperó, São Paulo. Notavelmente, no ano de 2019, os meses de agosto e setembro não registraram qualquer precipitação, com valores de 0,00 mm em agosto e 0,60 mm em setembro. A linha de tendência no gráfico ilustra a contínua redução da pluviosidade ao longo dos meses [23].
Com relação aos peixes, foram resgatados 228 indivíduos pertencentes a três ordens, dez famílias e dezessete espécies (Tabela 1). Dezesseis espécies são nativas, uma não-nativa e quatro são migradoras. Todas estão classificadas como Menos Preocupante (LC) no status de ameaça, segundo o Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (Salve) [24] e o decreto 63.853/2018 do Estado de São Paulo/SP. A Figura 4 apresenta as principais espécies resgatadas.
A ordem mais abundante foi Characiformes, com 186 indivíduos (81,58%), seguida por Perciformes, com trinta indivíduos (13,16%) e Siluriformes com doze indivíduos (5,26%). Com relação à riqueza de espécies, Characiformes apresentou quinze espécies (88,24%), enquanto Perciformes e Siluriformes apresentaram 5,88% cada. Characidae foi a família mais abundante com 117 indivíduos (51,31%), seguida por Prochilodontidae e Cichlidae, com trinta indivíduos cada (13,16%), e Bryconidae com dezesseis indivíduos (7,01%) (Figura 5). As espécies mais abundantes foram Astyanax sp. com 37 indivíduos (16,23%), seguida por Geophagus iporengensis e Prochilodus lineatus com trinta indivíduos cada (13,16%), Psalidodon fasciatus com dezoito (7,89%), Salminus hilarii com dezesseis (7,01%), Aphyocharax dentatus e Astyanax lacustris com quinze cada (6,58%) (Figura 6).
A maioria das espécies são de pequeno porte, cujo comprimento padrão médio variou de 1,5 cm a 11 cm, com peso médio de 1 a 24 g, com exceção de Schizodon nasutus, Salminus hilarii, Prochilodus lineatus e Hypostomus ancistroides, cujos indivíduos coletados foram de médio porte, com comprimento médio de 29,5 cm e peso médio de 600 g (Tabela 1).
Discussão
Por meio da análise dos registros referentes ao volume das precipitações, com destaque para o mês de outubro de 2019, nota-se que o volume do período não foi suficiente para remediar as consequências ocasionadas pela estiagem vigente nos meses anteriores. Essa baixa precipitação acabou por agravar os efeitos já estabelecidos e que foram gravemente sentidos no mês de novembro do mesmo ano, situação que levou à necessidade de intervenção através de captura e realocação da ictiofauna. Os eventos de baixa precipitação e seca estão relacionados ao El Niño Southern Oscillation (ENSO), visto que esse fenômeno contribui para impactos significativos nos ciclos hidrológicos que afetam as assembleias de peixes em rios neotropicais [25][26].
Essa necessidade se deve não só pela possibilidade de ocorrer mortandade de peixes, mas com a redução no volume de precipitação, alguns autores [27] ressaltam que a permanência de temperaturas estáticas de 28 a 30º C tem a capacidade de causar efeitos subletais nos peixes submetidos a essas condições. Um desses efeitos é a redução das taxas de crescimento, quando em comparação com outros indivíduos que se encontram em temperaturas mais amenas. Alterações como essa indicam que os animais tendem a sofrer estresse crônico sob condições de altas temperaturas. Portanto, mesmo que não haja efeitos letais a curto prazo, extremos de temperatura podem levar a problemas no desenvolvimento dos animais, considerando a sua capacidade de resposta dependente do grau dessas alterações ambientais, bem como da frequência com que ocorrem [28].
Os eventos extremos podem atuar sobre a ictiofauna, retendo os peixes em poças e trechos de rios [29], além de serem sensíveis às variações climáticas e nem todas as espécies de peixes serem adaptadas a essa mudança [30]. Eventos como o relatado no presente estudo podem acarretar alterações nas estratégias reprodutivas dos peixes [31] e modificações no seu habitat, como a expansão e a retração[32].
As espécies resgatadas são típicas da drenagem presente na Floresta Nacional de Ipanema, comparável a de outras bacias hidrográficas integrantes da bacia do Alto Paraná, sendo sua composição dominada por Characiformes e Siluriformes [17]. Ressalva deve ser feita a Salminus hilarii, espécie com alta exigência ecológica, ainda presente na bacia do rio Sorocaba, incluindo o rio Ipanema, onde o resgate foi realizado. Essa espécie está ameaçada de extinção no estado do Paraná e suas populações estão reduzidas [33] [34]. A espécie encontra condições satisfatórias para reprodução no rio Ipanema, o que reforça a importância do resgate e a conservação dos trechos estudados com seus biótopos e dos importantes ecossistemas adjacentes, como as lagoas marginais e as várzeas [31].
Considerando que todos os animais resgatados estavam em sua fase adulta, pode-se dizer que altas taxas de mortalidade, em decorrência da estiagem, acarretaria a redução das taxas reprodutivas do local, visto que além da mortalidade direta, a formação de pequenas piscinas isoladas impede o deslocamento dos indivíduos para que possam se reproduzir, influenciando também a longo prazo, as taxas de natalidade das populações locais [35]. Tais fatores podem agravar ainda mais as consequências sobre a sobrevivência das espécies, afetando diretamente as taxas de mortalidade, reprodução e, consequentemente, de natalidade [36], o que reforça a necessidade do resgate.
Algumas das espécies resgatadas são migradoras e realizam seus processos migratórios exclusivamente com fins reprodutivos; além de utilizarem estratégias cujo único objetivo é uma reprodução satisfatória em que ocorra o mínimo de perda energética durante esses deslocamentos [16][37]. Diante disso, o processo de realocação dessas espécies a montante do barramento não deverá resultar em consequências sobre as taxas reprodutivas dessas espécies, uma vez que o rio Ipanema e o rio Verde poderão ser utilizados nos deslocamentos reprodutivos, além de várzeas e lagoas marginais para o desenvolvimento dos ovos e larvas. Em locais susceptíveis à situações descritas aqui, atenção especial deve ser dada às espécies migradoras, pois são animais que apresentam maturação tardia e tamanho elevado, características que fazem com que estejam constantemente sob pressão ambiental, mesmo quando essas alterações não são de nível extremo, como no caso das estiagens [36].
Sendo assim, o resgate de peixes é uma prática importante que busca minimizar o impacto desses eventos nas assembleias. As diretrizes e normativas para esse tipo de resgate podem variar de uma região para outra e dependem das legislações local, estadual e federal. É indispensável a verificação junto às autoridades ambientais do local de resgate, bem como junto a especialistas desses ecossistemas e ictiólogos. Dessa forma, algumas diretrizes gerais devem ser previamente consideradas quando ações de resgates forem necessárias (Figura 7).
Conclusão
Conclui-se que, considerando a ocorrência cada vez maior de eventos extremos, como estiagens prolongadas, ações de resgate devem se tornar mais necessárias e são extremamente importantes. É urgente a necessidade de novas investigações que atestem os efeitos indiretos e subletais dos períodos de estiagem e das altas temperaturas da água sobre os peixes. Além disso, o aprimoramento e a antecipação das ações de resgate deve ser prioridade principalmente em unidades de conservação e trechos de rios, lagoas marginais e várzeas sujeitas à secas prolongadas. As ações de resgate solucionam o problema primário relacionado à alta mortandade de indivíduos, mas é necessária maior compreensão dos efeitos secundários, para o melhor manejo das populações de peixes quando expostos às condições ambientais adversas.
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35. Archdeacon TP, Diver TA, Reale JK. Fish Rescue during Streamflow Intermittency May Not Be E_ective for Conservation of Rio Grande Silvery Minnow. Water. 2020;12:3371. doi:10.3390/w12123371
36. Smith WS, Portella AC, Arsentales AD, Biagioni RC. Conectando peixes, rios e pessoas: como o homem se relaciona com os rios e com a migração de peixes. Organizador: Welber Senteio Smith. - Sorocaba, SP: Prefeitura Municipal de Sorocaba, Secretaria do Meio Ambiente. 2014;112:2014.
37. Godinho AL, Lamas IR, Godinho HP. Reproductive ecology of Brazilian freshwater fishes. Environ Biol Fish. 2010;87(2):143-62. https://doi.org/10.1007/s10641-009-9574-4
Figura 1 – Mapa da área de estudo mostrando o sistema hidrográfico da Floresta Nacional de Ipanema e o local onde o resgate foi realizado.
Figura 2 – Realização do resgate e utilização das técnicas de coleta a jusante da represa de Hedberg, Floresta Nacional de Ipanema. (A, B, C, D e E: técnicas de coleta da ictiofauna e transporte dos indivíduos coletados até a área de realocação).
Figura 3 – Pluviosidade (linha grossa) e índice pluviométrico (linha fina) entre 2017 e 2020 [23]. A tendência de pluviosidade está representada pela linha tracejada.
Tabela 1 – Espécies de peixes resgatadas e suas respectivas abundâncias, comprimento padrão e desvio padrão. Classificação quanto a Migradora (M) e Não Migradora (NM) e o status de ameaça de acordo com a Portaria MMA Nº 148, DE 7 DE Junho de 2022 (Brasil) e o decreto 63.853/2018 do Estado de São Paulo (SP). *Espécie não-nativa da bacia do Alto rio Paraná. LC: Menos Preocupante.
Ordem/Família |
Abundância total |
Comprimento padrão (cm) |
Peso (g) |
M/NM |
Status de ameaça SP/Brasil |
CHARACIFORMES |
|||||
Acestrorhynchidae |
|||||
Acestrorhynchus lacustris (Lütken 1875) |
3 |
9 ± 2,08 |
16 ± 9,17 |
NM |
LC/LC |
Anostomidae |
|||||
Schizodon nasutus Kner 1858 |
2 |
26 ± 1,41 |
650 ± 70,71 |
M |
LC/LC |
Bryconidae |
|||||
Salminus hilarii Valenciennes 1850 |
16 |
29,5 ± 4 |
600 ± 187 |
M |
LC/LC |
Characidae |
|||||
Aphyocharax dentatus Eigenmann & Kennedy 1903* |
15 |
4 ± 0,75 |
3 ± 0,84 |
NM |
LC/LC |
Astyanax lacustris (Lütken 1875) |
15 |
7 ± 0,99 |
7 ± 3,49 |
NM |
LC/LC |
Astyanax sp. |
37 |
8,5 ± 1,04 |
12,5 ± 3,42 |
NM |
LC/LC |
Hemigrammus marginatus Ellis 1911 |
12 |
2,5 ± 0,30 |
1 |
NM |
LC/LC |
Psalidodon anisitsi (Eigenmann 1907) |
4 |
3 ± 0,87 |
1,5 ± 0,63 |
NM |
LC/LC |
Psalidodon fasciatus (Cuvier 1819) |
18 |
7 ± 1,27 |
8 ± 3,26 |
NM |
LC/LC |
Piabina argentea Reinhardt 1867 |
7 |
3,5 ± 0,95 |
2,5 ± 1,19 |
NM |
LC/LC |
Serrapinnus notomelas (Eigenmann 1915) |
9 |
1,5 ± 0,43 |
1 |
NM |
LC/LC |
Curimatidae |
|||||
Cyphocharax modestus (Fernández-Yépez 1948) |
3 |
10,5 ± 05 |
16 ± 3,51 |
NM |
LC/LC |
Parodontidae |
|||||
Parodon nasus Kner 1859 |
9 |
11 ± 0,65 |
24 ± 4,71 |
M |
LC/LC |
Prochilodontidae |
|||||
Prochilodus lineatus (Valenciennes 1837) |
30 |
28 ± 5,54 |
575 ± 355,94 |
M |
LC/LC |
Serrasalmidae |
|||||
Serrasalmus maculatus Kner 1858 |
6 |
6 ± 0,63 |
5 ± 3,33 |
NM |
LC/LC |
SILURIFORMES |
|||||
Loricariidae |
|||||
Hypostomus ancistroides (Ihering 1911) |
12 |
19,75 ± 4,40 |
122 ± 90,86 |
NM |
LC/LC |
PERCIFORMES |
|||||
Cichlidae |
|||||
Geophagus iporangensis Haseman 1911 |
30 |
7 ± 1,55 |
10 ± 11,34 |
NM |
LC/LC |
Total |
228 |
Figura 4 – Alguns representantes das espécies de peixes resgatados na Floresta Nacional de Ipanema: A - Schizodon nasutus; B - Salminus hilarii; C - Astyanax lacustris; D - Hemigrammus marginatus; E - Psalidodon fasciatus; F - Piabina argentea; G - Cyphocharax modestus; H - Parodon nasus; I - Prochilodus lineatus; J - Serrasalmus maculatus; K - Hypostomus ancistroides; L - Geophagus iporangensis.
Figura 5 – Ictiofauna amostrada no resgate: riqueza e abundância de espécies por famílias.
Figura 6 – Abundância das espécies amostradas durante o resgate.
Figura 7 – Diretrizes para execução do resgate de ictiofauna.
Coleta
Cuidadosa
Acomodação
Temporária
Monitoramento
Avaliação
Documentação
Avaliação e
Planejamento
Registros detalhados de todas as etapas
Relatórios para conformidade regulatória
Técnicas apropriadas de captura
Manipulação com mínimo estresse
Método de transporte seguros
Tanques ou estruturas de redenção
Garantir qualidade da água
Alimentação adequada
Acompanhamento pós-relocação
Sobrevivência no novo habitat
Ajustes conforme necessário
Identificação das espécies presentes
Plano de ação
Obtenção de licenças ambientais
Biodiversidade Brasileira – BioBrasil.
Fluxo Contínuo e Edição Temática:
Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade – Programa Monitora – 10 anos
n.4, 2024
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Biodiversidade Brasileira é uma publicação eletrônica científica do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que tem como objetivo fomentar a discussão e a disseminação de experiências em conservação e manejo, com foco em unidades de conservação e espécies ameaçadas.
ISSN: 2236-2886