Participação social no monitoramento da biodiversidade em Carajás: perfil socioeconômico, análise de percepção e relatos de experiências

Keila Rêgo Mendes1*

https://orcid.org/0000-0002-0278-6284

* Contato principal

Romel da Costa Dias1

https://orcid.org/0000-0003-2162-1538

Amanda Lima Figueiredo1

https://orcid.org/0009-0008-9286-360X

Wendelo Silva Costa1

https://orcid.org/0000-0001-8349-1666

Raimundo Façanha Guedes1

https://orcid.org/

Gabriel Caldeira Gomes2

https://orcid.org/0000-0003-3148-3685

André Macêdo Vieira1

https://orcid.org/0000-0001-5133-0809

1 Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade/ICMBio, Núcleo de Gestão Integrada de Carajás/NGI Carajás, Brasil.

<keila.mendes.bolsista@icmbio.gov.br, romel.dias@icmbio.gov.br, amanda.figueiredo.terceirizada@icmbio.gov.br, wendelo.costa@icmbio.gov.br, raimundo.guedes@icmbio.gov.br, andre.macedo@icmbio.gov.br>.

2 Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/PUC Minas, Brasil. <profgabrielcaldeira@gmail.com>.

Recebido em 31/01/2024 – Aceito em 22/07/2024

RESUMO – Os programas de monitoramento da biodiversidade são fundamen-tais para acompanhar o estado dos ecossistemas, espécies alvo ou processos naturais e fornecer informações provenientes das análises de resposta dos alvos às mudanças ambientais e ações de manejo. Nesse contexto, insere-se o Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade do ICMBio – Programa Monitora, sendo um programa governamental, contínuo e de longa duração, voltado para o monitoramento do estado de conservação da biodiversidade, realizado em unidades de conservação federais geridas pelo ICMBio. A participação de diferentes atores caracteriza a base do Programa Monitora como monitoramento participativo. Assim, o presente estudo visa apresentar o perfil socioeconômico dos monitores, a análise de suas percepções e os relatos de suas experiências no Programa Monitora nas áreas protegidas presentes no Núcleo de Gestão Integrada de Carajás – NGI Carajás. Para isso, foi utilizado um questionário eletrônico aplicado através da ferramenta Microsoft Forms. Os dados foram resumidos usando estatísticas descritivas convencionais. As variáveis categóricas foram descritas em números absolutos e percentagens. No total, 46 monitores responderam ao questionário eletrônico. Os monitores que responderam o formulário eletrônico são 67% do gênero feminino e 33% do gênero masculino, apresentando idade entre 20 e 39 anos, para o gênero feminino, e entre 22 e 42 para o gênero masculino. A média de filhos por monitor é inferior a um (0,3). Os monitores apresentam uma variedade de situações conjugais, sendo a maioria solteiros, representando 76% do total. Em relação à escolaridade, 50% possuem nível superior completo e 17% têm pós-graduação. Assim, foi observado que o Programa Monitora nas áreas protegidas de Carajás atrai principalmente os estudantes com formação acadêmica, sendo necessário um esforço da gestão do NGI Carajás para envolver um grupo socialmente diversificado, contribuindo para o aprimoramento da participação social na gestão da sociobiodiversidade.

Palavras-chave: Monitoramento participativo; sociobiodiversidade; unidade de conservação; ciência cidadã.

Social participation in biodiversity monitoring in Carajás: socioeconomic profile, perception analysis, and experience reports

ABSTRACT – Biodiversity monitoring programs are essential for tracking the state of ecosystems, target species, or natural processes and providing information from analyses of target responses to environmental changes and management actions. In this context, the ICMBio National Biodiversity Monitoring Program – Monitora Program is a continuous, long-term government program focused on monitoring the conservation status of biodiversity, conducted in Federal Conservation Units managed by ICMBio. The participation of different actors characterizes the foundation of the Monitora Program as participatory monitoring. This study aims to present the socioeconomic profile of the monitors, analyze their perceptions, and report their experiences in the Monitora Program within the protected areas of the Carajás Integrated Management Center – NGI Carajás. To achieve this, an electronic questionnaire was used through the Microsoft Forms tool. The data were summarized using conventional descriptive statistics. Categorical variables were described in absolute numbers and percentages. In total, 46 monitors responded to the electronic questionnaire. Of the monitors who completed the electronic form, 67% are female and 33% are male, with ages ranging from 20 to 39 years for females and from 22 to 42 years for males. The average number of children per monitor is less than one (0.3). The monitors exhibit a variety of marital statuses, with the majority being single, representing 76% of the total. Regarding education, 50% have a higher education degree, and 17% have postgraduate education. Thus, it was observed that the Monitora Program in the protected areas of Carajás primarily attracts students with academic backgrounds, indicating the need for efforts by the NGI Carajás management to involve a more socially diverse group, contributing to the enhancement of social participation in sociobiodiversity management.

Keywords: Participatory monitoring; sociobiodiversity; protected areas; citizen science.

Participación social en el monitoreo de la biodiversidad en Carajás: perfil socioeconómico, análisis de percepción y relatos de experiencia

RESUMEN – Los programas de monitoreo de la biodiversidad son fundamentales para seguir el estado de los ecosistemas, especies objetivo o procesos naturales y proporcionar información proveniente de los análisis de respuesta de los objetivos a los cambios ambientales y acciones de manejo. En este contexto, se inserta el Programa Nacional de Monitoreo de la Biodiversidad del ICMBio – Programa Monitora, siendo un programa gubernamental, continuo y de larga duración, enfocado en el monitoreo del estado de conservación de la biodiversidad, realizado en Unidades de Conservación Federales gestionadas por el ICMBio. La participación de diferentes actores caracteriza la base del Programa Monitora como monitoreo participativo. En este contexto, el presente estudio tiene como objetivo presentar el perfil socioeconómico de los monitores, el análisis de sus percepciones y los relatos de sus experiencias en el Programa Monitora en las áreas protegidas presentes en el Núcleo de Gestión Integrada de Carajás – NGI Carajás. Para ello, se utilizó un cuestionario electrónico aplicado a través de la herramienta Microsoft Forms. Los datos se resumieron utilizando estadísticas descriptivas convencionales. Las variables categóricas se describieron en números absolutos y porcentajes. En total, 46 monitores respondieron al cuestionario electrónico. Los monitores que respondieron al formulario electrónico son 67% del género femenino y 33% del género masculino, presentando edades entre 20 y 39 años para el género femenino y entre 22 y 42 años para el género masculino. El promedio de hijos por monitor es inferior a uno (0,3). Los monitores presentan una variedad de situaciones conyugales, siendo la mayoría solteros, representando el 76% del total. En relación a la escolaridad, el 50% posee nivel superior completo y el 17% tiene posgrado. Así, se observó que el Programa Monitora en las áreas protegidas de Carajás atrae principalmente a estudiantes con formación académica, siendo necesario un esfuerzo de la gestión del NGI Carajás para involucrar a un grupo socialmente más diverso, contribuyendo al mejoramiento de la participación social en la gestión de la sociobiodiversidad.

Palabras clave: Monitoreo participativo; sociobiodiversidad; areas protegidas; ciencia ciudadana.

Como citar:

Mendes KR, Dias RC, Figueiredo AL, Costa WS, Guedes RF, Gomes GC, Vieira AM. Participação social no monitoramento da biodiversidade em Carajás: perfil socioeconômico, análise de percepção e relatos de expe-riências. Biodivers. Bras. [Internet]. 2024; 14(3): 21-35. doi: 10.37002/biodiversidadebrasileira.v14i3.2516

Introdução

Os programas de monitoramento da biodiversi-dade são fundamentais para acompanhar o estado dos ecossistemas, espécies alvo ou processos naturais e fornecer informações provenientes das análises de resposta dos alvos às mudanças ambientais e ações de manejo[1][2][3]. Nesse contexto, insere-se o Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), denominado Programa Monitora. Esse programa enfatiza a importância da participação e do envolvimento de diversos públicos em várias escalas organizacionais e geográficas[4]. Além disso, ressalta-se a aplicação dos resultados como subsídios essenciais para decisões e instrumentos de gestão das unidades de conservação (UCs) de Carajás.

O Programa Monitora foi cuidadosamente estruturado para se adaptar à diversidade de contextos ambientais, socioeconômicos e de gestão das UCs federais. Seu objetivo é alcançar a maior simplicidade e articulação possível entre diferentes iniciativas e abordagens de monitoramento, garantindo uma gestão eficiente dos dados coletados e promovendo uma ampla participação social[4]. Para alcançar esses objetivos, as Instruções Normativas (IN) nº 3/2017 e n° 2/2022 delinearam a estrutura do Programa Monitora em três subprogramas distintos: Terrestre, Aquático Continental e Marinho e Costeiro[2][3]. Cada subprograma é desenvolvido para atender às especificidades dos diferentes ecossistemas, facilitando a implementação de estratégias de monitoramento que sejam adequadas às particularidades de cada ambiente e promovendo uma integração eficaz entre os diversos componentes do programa[2][3].

A participação de diferentes atores nas diversas etapas do monitoramento, por exemplo, na estruturação dos protocolos, na coleta, análise e discussões dos dados, caracteriza a base do Programa Monitora como monitoramento participativo e de cunho comunitário, permitindo um conjunto de possibilidades, e muito mais do que contribuir como coletores de dados, essa abordagem fortalece a relação entre a sociedade e a natureza, e entre a sociedade e a gestão das UCs[4][5].

O Programa Monitora representa uma iniciativa governamental abrangente, contínua e de longo prazo dedicada ao monitoramento do estado de conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos correlatos. Essa atividade é implementada em UCs federais geridas pelo Instituto Chico Mendes, contando com amplo suporte de diversos parceiros. Seus principais objetivos incluem a avaliação da efetividade das UCs, a contribuição para o planejamento e a gestão dessas áreas, a proteção de espécies ameaçadas e o fomento ao manejo sustentável da fauna e flora[2][3].

A concepção do programa foi originada a partir de um extenso processo iniciado em 2010, que englobou a colaboração de centenas de instituições, incluindo pesquisadores, gestores, usuários e beneficiários de UCs, como comunidades e povos tradicionais. A elaboração do Monitora foi influenciada por diversas iniciativas de monitoramento, tais como o Inventário Florestal Nacional (IFN), o Programa Brasileiro de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD) e o Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio). Algumas iniciativas de monitoramento anteriores, realizadas ao longo de décadas pelo ICMBio e instituições parceiras, como o monitoramento de quelônios amazônicos, tartarugas marinhas, aves marinhas e recifes de coral, estão gradualmente se integrando ao Programa Monitora. Essas iniciativas contribuem com a articulação conceitual, capacitação, participação, gestão de dados e conhecimentos, bem como com a formulação de políticas públicas[6][7].

Fomentar a participação social qualificada é um dos princípios fundamentais que orientam o Programa Monitora, especialmente no que diz respeito às comunidades locais que dependem dos recursos naturais das UCs[4]. O principal objetivo do Programa Monitora é incentivar a participação ativa dos cidadãos nas decisões de gestão em diversas escalas[6]. Em um país caracterizado por sua diversidade cultural e social, bem como por desigualdades, a ciência cidadã no âmbito do Monitora busca respeitar e considerar diferentes visões de mundo, expectativas e necessidades. Isso inclui a compreensão das disparidades nos níveis de educação formal e a diversidade no conhecimento ecológico local. É crucial destacar que os processos participativos não se desenvolvem rapidamente e não podem ser simplificados em algumas etapas[6]. Pelo contrário, exigem a construção de relações sólidas de confiança entre as partes envolvidas e a criação de espaços seguros que promovam o empoderamento da informação por parte dos diversos atores[7][5].

A participação social no Programa Monitora abrange várias etapas, desde o planejamento inicial até a coleta, análise, interpretação e discussão dos dados obtidos. Os envolvidos, incluindo comunidades locais, pesquisadores e gestores, colaboram ativa-mente em cada fase do processo. O programa visa influenciar diversos níveis de planejamento e intervenção, utilizando protocolos padronizados em todo o território nacional para garantir a consistência e comparabilidade dos dados. Além disso, o Programa Monitora promove capacitações e workshops para engajar os participantes e aprimorar suas habilidades técnicas, fortalecendo a rede de monitoramento ambiental no Brasil[8][9][10][11].

Dessa forma, este artigo tem como objetivo apresentar as informações relacionadas à participação social no monitoramento da biodiversidade nas áreas protegidas presentes no Núcleo de Gestão Integrada de Carajás – NGI Carajás, destacando o perfil socioeconômico dos monitores, a análise de suas percepções e os relatos de suas experiências.

Material e Métodos

Área de estudo

O estudo foi desenvolvido com os monitores que atuaram e atuam no Programa Monitora nas áreas protegidas de Carajás, região sudeste do Pará, onde está localizado seis UCs federais: Área de Proteção Ambiental do Igarapé Gelado, Floresta Nacional (FLONA) de Carajás, FLONA do Itacaiúnas, FLONA do Tapirapé-Aquiri, Parque Nacional dos Campos Ferruginosos, Reserva Biológica do Tapirapé, conforme mostradas na Figura 1.

Coleta e análise de dados

O trabalho foi elaborado a partir da aplicação de um questionário em formato eletrônico, por meio da ferramenta Microsoft Forms, denominado “Perfil Social do Programa Monitora em Carajás”, contendo 45 questões (Anexo 1). O questionário eletrônico foi elaborado para a obtenção de informações qualitativas e quantitativa. Para isso foi elaborado um roteiro dividido em seções: 1) perfil socioeconômico (gênero, cor/etnia, idade, estado civil, ocupação, n° de filhos, nível de escolaridade, origem escolar, curso de graduação, para maiores detalhes ver anexo 1); 2) percepção em relação ao Programa Monitora; 3) relatos de experiências envolvendo os riscos que podem vir a ocorrer durante a realização das campanhas, com a aplicação de formulário para o preenchimento dos monitores formados e que participaram e/ou participam de campanhas nas UCs de Carajás. No total, 46 monitores responderam ao questionário eletrônico.

Para a análise da percepção em relação ao Programa Monitora foram agrupadas quatro questões nesta categoria, as quais estão relacionadas à percepção dos Monitores sobre a importância do Programa Monitora Carajás no desenvolvimento profissional, vida financeira, envolvimento para a conservação da biodiversidade e na vida acadêmica.

O Programa Monitora estabelece protocolos específicos para monitoramento da biodiversidade em diferentes componentes vegetacionais, incluindo florestais, campestres e savânicos. Estes protocolos são fundamentais para a coleta sistemática de dados e a avaliação da saúde dos ecossistemas. Para entender a percepção dos monitores sobre os riscos potenciais durante a execução dos protocolos, foram abordados os seguintes procedimentos de monitoramento desenvolvidos em Carajás: proto-colos de monitoramento de borboletas frugívoras (PBG), de mamíferos de médio e grande porte e aves cinegéticas (PMA), e de ambientes campestres e savânicos (PCS).

Os dados foram resumidos usando estatísticas descritivas convencionais. As variáveis categóricas (gênero, cor/etnia, estado civil, ocupação, nível de escolaridade, origem escolar, curso de graduação) e numéricas (idade, n° de filhos) foram descritas em números absolutos e percentagem. Os dados referentes aos índices de nível de preocupação durante a execução dos protocolos de monitoramento de borboletas frugívoras (PBG), mamíferos de médio e grande porte e aves cinegéticas (PMA), e campestre savânico (PCS) foram submetidos à análise de variância (ANOVA) e o teste de Tukey foi utilizado para separação de médias e determinar as diferenças significativas (p ≤ 0,05). As análises foram processadas usando os pacotes ggplot2, Hmisc e multcomp no software R.

Para analisar as respostas obtidas para a pergunta “Participar das campanhas do Programa Monitora Carajás contribuiu para?”, foi desenvolvida uma nuvem de palavras utilizando a ferramenta online WordClouds. Foram geradas 682 palavras com significado, excluindo as palavras vazias de significado. A nuvem de palavras destacou as palavras mais frequentemente mencionadas nos relatos dos monitores, permitindo uma visualização clara das principais contribuições percebidas pelos participantes.

Resultados e Discussão

Aspectos pessoais e socioeconômicos dos monitores

Com relação à identificação do gênero foi observado diferença significativa (p ≤ 0,01), evidenciada pelo fato de que o formulário eletrônico foi preenchido por 31 mulheres e 15 homens, o que representa uma maior representatividade do gênero feminino (67%) em comparação com o gênero masculino (33%) (Figura 2). Essa constatação pode ser reforçada pelos registros de participação em capacitações, sendo o NGI com maior atuação na promoção de cursos de monitoramento da biodiversidade, totalizando 7 cursos, 211 participantes, com 99 pontos focais aptos a implementar o programa em outras regiões[12].

De fato, conforme observado por Cronemberger et al.[13], há uma participação signi-ficativamente maior de mulheres em iniciativas de monitoramento, as quais se beneficiam da oportunidade de ingressar em ambientes predominantemente masculinos, graças à diversidade de protocolos específicos para cada alvo de monitoramento. Esse aspecto amplia as possibilidades de engajamento feminino no Programa Monitora. Essa constatação é surpreendente, uma vez que o empoderamento das mulheres locais pode desempenhar um papel crucial no êxito de projetos de monitoramento participativo e conservação da biodiversidade[14]. Afinal, a variedade de perspectivas relacionadas ao território e as oportunidades disponíveis também são influenciadas pela questão de gênero[15]. Portanto, em relação à representação de gênero, pode-se afirmar que as mulheres estão adequadamente representadas na implementação do Programa Monitora em Carajás.

Em relação à cor/etnia, foi adotada a estratégia de autodeclaração pelos participantes, respeitando a percepção subjetiva de cada indivíduo, sem qualquer imposição por parte dos pesquisadores. Observou-se que, entre as mulheres, a maioria se autodeclarou como parda, seguida por uma proporção menor que se identificou como branca e uma parcela ainda menor como preta (Tabela 1). Já entre os homens, as autodeclarações distribuíram-se de forma mais uniforme entre as categorias pardo, preto e branco. Notadamente, uma fração dos monitores do sexo masculino também se identificou como indígena (Tabela 1). Esses dados destacam a diversidade étnica presente no grupo de participantes.

A distribuição etária dos monitores do programa apresentou-se variada, concentrando-se predominantemente entre 20 e 39 anos para as mulheres e 22 a 42 anos para os homens, conforme ilustrado na Figura 2. Este padrão sugere uma tendência de envolvimento mais precoce das mulheres no programa comparado aos homens. Além disso, a maioria dos monitores é solteira, correspondendo a 77% do total, o que pode refletir uma maior disponibilidade ou inclinação para participar de atividades de campo que exigem flexibilidade de horários e deslocamento. A representatividade significativa de indivíduos solteiros entre os monitores sugere que o estado conjugal pode influenciar na decisão de envolver-se em tarefas de longo prazo e de maior demanda física, como as realizadas no programa monitorado. Esses dados de distribuição etária e estado civil são fundamentais para entender as dinâmicas de participação e podem auxiliar na elaboração de estratégias futuras para engajar uma gama ainda mais diversificada de participantes, além de adaptar o programa às necessidades e disponibilidades específicas de diferentes grupos etários.

A análise das ocupações dos monitores revela um panorama diversificado, com variações notáveis entre os gêneros (Figura 3). A maior parte dos monitores do sexo feminino está em um estágio de formação acadêmica, com 59% identificando-se como estudantes. Este número é consideravelmente mais alto do que o observado entre os monitores masculinos, dos quais 36% são estudantes. Essa discrepância pode refletir diferenças nas trajetórias de carreira ou na disponibilidade para participar do programa durante a formação acadêmica. Em relação às ocupações formais, 36% dos homens estão empregados sob regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), comparativamente a 21% das mulheres. Essa diferença sugere que os homens podem ter uma inserção mais substancial em empregos formais, enquanto as mulheres, embora participem, possuem menor representatividade nesse tipo de vínculo empregatício. Os servidores públicos, incluindo temporários e efetivos, também mostram uma discrepância de gênero, com 14% dos homens e apenas 8% das mulheres situando-se nesta categoria. Esse resultado pode apontar para uma maior dificuldade de acesso das mulheres a cargos públicos ou maior estabilidade procurada pelos homens em seus campos de trabalho.

Os monitores de Carajás estão presentes em várias cidades do estado do Pará, incluindo Ananindeua, Porto de Moz, Tucumã, Novo Repartimento, Rondon do Pará, Marabá e Parauapebas (Figura 4). Uma parte expressiva desses monitores vive nas cidades da mesorregião do sudeste paraense, especialmente em Marabá e Parauapebas. Esse fenômeno pode ser atribuído ao fato de que a maior parte da Reserva Biológica do Tapirapé se encontra em Marabá[16]. Da mesma forma, a Floresta Nacional de Carajás tem uma significativa porção do seu território (69,1%) localizada em Parauapebas[17].

É importante destacar que a maioria dos monitores capacitados para atuar nas UCs de Carajás obteve sua formação acadêmica ou está em processo de formação em instituições de ensino situadas em Marabá ou Parauapebas. Por exemplo, a Universidade do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) é mencionada frequentemente nas respostas, com uma parte significativa dos monitores vindo dessa instituição, seguida pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) em Parauapebas. Isso evidencia que a população local está sendo ativamente engajada como uma ferramenta participativa no âmbito do Programa Monitora nas UCs de Carajás.

A análise da escolaridade dos participantes, apresentada na Figura 5, revelou uma diversidade significativa nos níveis educacionais, destacando a predominância de indivíduos com formação acadêmica, majoritariamente moradores locais da região. Isso demonstra que o Programa Monitora em Carajás atrai um grupo social variado. O ICMBio está focado em desenvolver processos que melhorem a participação social na gestão pública da sociobiodiversidade. Esses esforços consideram as bases legais, diretrizes institucionais, contexto sociocultural e princípios da gestão adaptativa, de forma ética, crítica e comprometida, por meio do Ciclo de Capacitação em Gestão Participativa[18]. Conforme destacado por Calandino et al.[19], o engajamento da sociedade é crucial para garantir a efetividade das UCs.

Percepção em relação ao Programa Monitora

Com base na Figura 6, constatou-se que o Programa Monitora teve um impacto positivo significativo na vida acadêmica dos monitores, uma vez que 80% dos entrevistados responderam na faixa de 9 a 10. Da mesma forma, observou-se uma influência positiva no desenvolvimento profissional, com 83% dos entrevistados atribuindo uma pontuação na faixa de 9 a 10. Além disso, todos os entrevistados (100%) destacaram a importância do Programa Monitora para o envolvimento na conservação da biodiversidade.

No que diz respeito à vida financeira, 31 entrevistados (67%) consideraram altamente rele-vante atuar como monitor no Programa Monitora. Essa análise evidencia claramente que os monitores percebem os impactos positivos de participar de um programa de monitoramento da biodiversidade não apenas em suas vidas acadêmicas e profissionais, mas também reconhecem a relevância financeira dessa experiência. Constantino et al.[4] destacaram que uma das motivações frequentemente exploradas por iniciativas de monitoramento está relacionada ao pagamento pelos serviços prestados pelos monitores. No geral, estes monitores passam por treinamentos para se qualificarem e capacitar na coleta de dados sobre a biodiversidade em campo.

Existe uma clara percepção de que atuar como monitor no Programa Monitora é fundamental para transformar esses participantes em protagonistas de ações de conservação, influenciando suas posições em espaços de tomada de decisões. Essa percepção se reflete nas respostas à pergunta “Classifique o grau de relevância do Programa Monitora Carajás no seu envolvimento na conservação da biodiversidade” (Anexo 1), em que 100% dos monitores afirmaram que é altamente relevante. Compreender esse aspecto é crucial para alinhar estratégias de participação social e garantir a legitimidade dos resultados do monitoramento. Essa abordagem é fundamental para a implementação de uma gestão adaptativa eficaz e, portanto, para o sucesso das iniciativas de conservação da biodiversidade[20].

O Programa Monitora, em sua abordagem de formação, busca alcançar todos os participantes em cada etapa de sua implementação, indo além de uma simples instrução para promover uma educação reflexiva[21][5][3]. O programa incentiva o senso de pertencimento, capacita para uma participação qualificada nas decisões de gestão[22], integra o conhecimento local nas análises e promove o desenvolvimento da alfabetização científica.

Esses elementos também são abordados em outras iniciativas de monitoramento participativo[23][24], como exemplificado pelo Projeto de Monitora-mento Participativo da Biodiversidade (MPB), desenvolvido pelo ICMBio em colaboração com o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ). Esse projeto preconiza abordagens inclusivas e integrativas, destacando a importância de espaços de diálogo, como os conselhos das UCs, e atividades de monitoramento participativo. Essas práticas visam criar um senso de pertencimento entre a gestão, as comunidades locais e as instituições envolvidas, promovendo o reconhecimento mútuo que contribui para a conservação da biodiversidade na área protegida[15].

Os resultados obtidos sobre o nível de preocupação durante a execução dos protocolos de monitoramento borboletas frugívoras e mamíferos de médio e grande porte e aves cinegéticas demons-traram um elevado grau de preocupação acerca ataque de grandes mamíferos comparado ao campestre savânico (p ≤ 0,01; Figura 7). Em relação ao ataque de animais peçonhentos, não houve diferença entre os três protocolos (p ≥ 0,05; Figura 7), entretanto foi considerado o risco com maior grau de preocupação quando comparado a todos os outros.

A inclusão de diversos atores sociais no planejamento, na coleta de dados e na interpretação coletiva dos resultados é uma parte fundamental do Programa Monitora[7][25]. Mesmo que de maneira não intencional, cada indivíduo envolvido impacta todo o processo e, por sua vez, é impactado por ele[25], e essa construção pode ser refletida nos resultados do monitoramento do componente florestal[26][27].

Pelo método da nuvem de palavras (Figura 8), é possível observar que as palavras com maior frequência foram: Profissional[16], Monitora[15], Biodiversidade[13], Conservação[12], Conhecimento[11], Desenvolvimento[9], Monitora-mento[9] e Campanhas[9], Práticas[7] e atua como um propulsor na vida de quem participa, seja em âmbito profissional ou pessoal, aflorando aspectos conservacionistas e agregando profissionalmente a vida de muitos monitores.

Diante disso, também foram selecionados alguns relatos dos monitores, que englobam, de maneira geral, as palavras e os sentimentos que foram relatados por outros monitores nas suas respostas. É destacada no primeiro relato a importância do Programa Monitora em fornecer a experiência de conhecer em campo a biodiversidade de aves/mamíferos/borboletas enquanto realiza as atividades do Programa Monitora na Reserva Biológica do Tapirapé. E, como a troca de experiências entre os participantes, sejam elas pessoais ou profissionais, enriquecem a atividade durante a sua execução.

Participar do Programa Monitora para mim foi e sempre será de grande importância, além de conhecer a biodiversidade de borboletas frugívoras, aves e mamíferos. Em cada campanha podemos contribuir e aprender, trocando conhecimento com diferentes monitores (locais, guardas florestais e pesquisadores) sobre os protocolos de monitoramento utilizados e informações adquiridas pelas experiências vividas de cada integrante da equipe. É de grande satisfação profissional e pessoal contribuir e participar da coleta de dados do Programa Monitora. Sempre em qualquer campanha todos da equipe aprendem sobre algo novo e/ou presenciamos o avistamento de animais só conhecidos nas armadilhas fotográficas. Gostaria também de contribuir para a publicação dos dados levantados nas campanhas. Deixo aqui meu muito obrigada pela oportunidade de participar do Monitora na REBIO Tapirapé, um local magnífico.

O segundo relato ressalta que o Programa Monitora contribui com o seu senso de proteção e forneceu a oportunidade de experienciar em campo, conceitos de ecologia. Além de ressaltar que a execução dos protocolos proporcionou experiencias práticas, facilitando a transição para o mercado de trabalho. E, finaliza enfatizando que a realização do Programa Monitora instiga a gerar proteção das UCs e suas particularidades.

Contribui com meu senso de proteção sobre o meio a qual estou inserido, o programa monitora me deu a oportunidade de viver na prática, uma área que pude escolher e levar como experiência pra minha graduação, Ecologia (de modo geral), o monitoramento em si, o contato com a natureza os protocolos de monitoramento, tanto de aves e mamíferos, quanto de borboletas, me permitiram ter a experiência que tenho hj para ingressar no mercado de trabalho, e saber que tenho e tive esse suporte através do ICMBio, me capacita mais ainda. O Monitora é excelente e te estiga a cada vez mais, gerar proteção às UCs e suas particularidades de fauna e flora.

O terceiro relata que a sua motivação inicial estava atrelada á necessidade financeira, porém, ao participar das campanhas, isso concomitou positivamente com a área pessoal e profissional da sua vida. Nesse contexto, é relatado ainda que o Programa Monitora contribui com práticas em campo, que por conta da pandemia da covid, não foram desenvolvidas durante a sua graduação.

Participar das campanhas do Monitora teve uma motivação inicial atrelada a necessidade financeira, e sempre funcionou como uma espécie de terapia como bônus, então posso dizer que contribuiu com o meu emocional também, mas no decorrer das campanhas observei o quanto contribuiu para a minha formação profissional, pois tem sido uma oportunidade incrível de colocar em prática muitas coisas que não foi possível durante as aulas da graduação por conta da pandemia do COVID-19 e de forma prazerosa, mesmo não podendo receber as diárias por conta do vínculo com o ICMBio como bolsista de iniciação científica.

Conclusão

A análise dos dados do Programa Monitora nas áreas protegidas presentes no NGI Carajás, revelou percepções importantes sobre a composição e o impacto do programa na implementação da agenda de conservação da biodiversidade, contribuindo para a ciência cidadã e o manejo sustentável das UCs. A maior participação feminina, também sugere que o empoderamento das mulheres da região é crucial para o sucesso de iniciativas de monitoramento participativo e conservação da biodiversidade. A diversidade étnica dos monitores, identificada por meio de autodeclaração, revelou uma predominância de participantes que se identificam como pardos, seguidos por brancos e pretos, com uma fração de homens se identificando como indígenas. Essa diversidade é essencial para enriquecer o programa com múltiplas perspectivas culturais e sociais. A escolaridade dos participantes mostrou uma diversidade significativa, com uma predominância de monitores moradores da região e com formação acadêmica. Isso indica que o Programa Monitora em Carajás atrai principalmente os estudantes, sendo necessário um esforço da gestão do NGI Carajás para envolver um grupo socialmente diversificado, contribuindo para o aprimoramento da participação social na gestão da sociobiodiversidade.

A participação no Monitora foi considerada altamente relevante para o desenvolvimento profissional e acadêmico dos monitores, bem como para o envolvimento na conservação da biodiversidade. Além disso, muitos monitores reconheceram a relevância financeira da experiência. O Programa Monitora em Carajás, com sua abordagem educativa reflexiva e inclusiva, promove um senso de pertencimento e capacita os partici-pantes na geração de informação qualificada para subsidiar a gestão das UCs do NGI.

Referências

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2. Instrução Normativa n°3, de 4 de setembro de 2017 (Brasil). Institui o Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade do Instituto Chico Mendes. [internet] Diário Oficial da União 06/09/2017, Seção 1, p. 69. [citado em 2023 out. 30]. Disponível em: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/arquivos/intrucao_normativa_03_2017.pdf

3. Instrução Normativa n°2, de 28 de janeiro de 2022 (Brasil). Reformula o Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade do Instituto Chico Mendes [internet]. Diário Oficial da União 08/02/2022, Seção 1, p. 46. [citado em 2023 fev. 24]. Disponível em: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/monitoramento/conteudo/legislacao/in2_2022_fev.pdf

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18. ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), 2013. Plano de Curso do Ciclo de Capacitação em Gestão Participativa, 30p

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26. Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade: programa monitora, subprograma terrestre, componente florestal: relatório 2014-2018. Brasília: Instituto Chico Mendes/ICMBio. 301. Disponível em: https://www.gov.br/icmbio/pt br/assuntos/monitoramento/conteudo/relatorios/RelatorioFlorestal2014_2018.pdf  

27. Monitora. Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade: programa monitora, subprograma terrestre, componente florestal: relatório 2014-2018. [Internet]. Instituto Chico Mendes/ICMBio. 2021. Disponível em: www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/monitoramento/conteudo/relatorios/RelatorioFlorestal2014_2018.pdf

Figura 1 – Localização das Unidades de Conservação do território de Carajás e distribuição dos alvos do Programa Monitora até 2023.

Tabela 1 – Distribuição de cor/etnia por gênero.

Gênero

Parda

Branca

Preta

Indígena

Masculino

34%

25%

33%

8%

Feminino

68%

22%

10%

0%

Figura 2 – Perfil socioeconômico do Programa Monitora no território de Carajás: gênero, estado civil, número de filhos, faixa etária.

Figura 3 – Perfil socioeconômico do Programa Monitora no território de Carajás: ocupação.

Interface gráfica do usuário, Aplicativo

Descrição gerada automaticamente

Figura 4 – Mapa com a distribuição dos monitores nas cidades do estado do Pará.

Mapa

Descrição gerada automaticamente

Figura 5 – Perfil socioeconômico do Programa Monitora no território de Carajás: nível de escolaridade dos monitores de Carajás.

Diagrama

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Figura 6 – Percepção dos Monitores sobre o Programa Monitora.

Aplicativo

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Figura 7 – Boxplot dos dados do nível de preocupação durante a execução dos protocolos de monitoramento de borboletas frugívoras (PBG), mamíferos de médio e grande porte e aves cinegéticas (PMA), campestre savânico (PCS). N = 46.

Gráfico, Gráfico de caixa estreita

Descrição gerada automaticamente

Figura 8 – Nuvem de palavras: contribuição da participação das campanhas do Programa Monitora para os Monitores.

Texto

Descrição gerada automaticamente

Biodiversidade Brasileira – BioBrasil.

Edição Temática:

Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade – Programa Monitora – 10 anos

n.3, 2024

http://www.icmbio.gov.br/revistaeletronica/index.php/BioBR

Biodiversidade Brasileira é uma publicação eletrônica científica do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que tem como objetivo fomentar a discussão e a disseminação de experiências em conservação e manejo, com foco em unidades de conservação e espécies ameaçadas.

ISSN: 2236-2886